Nhenety |
Guardião
da Tradição Oral
Somos
índios evoluídos sim. Estamos aqui há muito tempo, antes de
Colombo chegar na América. E como todos os povos, desde o início de
nossa civilização, vivemos evoluindo. Com a invasão, fomos
forçados a um grande processo evolutivo cheio de sofrimentos. No
Nordeste temos 500 anos de resistência e ainda contamos nossa
história.
Foram
feitos aldeamentos para diminuir nossos territórios, foram
implantados colégios jesuíticos para tirar nossa língua, para
impor uma religião, mudando nossa estrutura sociocultural. Se nossas
casas estavam dispostas em círculos, impuseram as linhas retas. Se
vivíamos em uma grande maloca coletiva, os padres botaram um casal
por casa. O índio cuidava de sua subsistência e foi forçado a
trabalhar para a Igreja, para a acumulação de bens. Quando o índio
precisava de algum produto ia na floresta e colhia, depois foi
obrigado à força a ir além de seu limite físico e muitos morreram
carregando bens para outros, tirando além do certo. O novo sistema
trouxe a devastação da Natureza e a extinção de etnias, de
animais e de vegetais.
Uma
comunidade indígena expressava sua potencialidade quando tinha mais
de 300 pessoas, cada indivíduo com sua função social no coletivo
e, quando os invasores exterminavam noventa por cento da população
de uma etnia, os trinta indígenas sobreviventes não podiam mais
expressar a sabedoria dessa cultura, ficando desestruturados. Daí a
estratégia do invasor era juntar em um espaço só trinta
sobreviventes de uma etnia, com vinte de outra e dez de outra;
confinados a um lugar só, criando uma nova confusão, homogeneizados
através da imposição do uso da língua portuguesa, suprimindo
todas as religiões. Os indígenas ou morriam na luta ou morriam
lentamente na ditadura do aldeamento, morrendo culturalmente.
Um
amigo Kiriri me ensinou assim: A partir da colonização, nós
indígenas não mais vivemos mas SOBREVIVEMOS. O índio que vive está
em harmonia com a Natureza. Mas hoje, nós só sobrevivemos; temos
pouca terra; o sistema nos incomoda; continuam tirando nossas terras,
nossa educação tradicional, nossa religião. Índio e Terra são
indivisíveis. Terra é Mãe, é Avó, é família, é tudo. Tudo
isso está vivo. Temos nossa memória viva. A terra também tem sua
memória. Na terra está registrado tudo. Se escavar vai encontrar
ponta de espadas por cima da ponta da flecha, cacos de barro de
nossos antepassados, urnas funerárias de cerâmica quebradas e as
moedas do invasor.
Nós
indígenas passamos todas as fases do Brasil; desde antes dos
espelhinhos e da tinta vermelha... Foram muitas as estratégias para
nós indígenas deixarmos de ser nós mesmos e funcionarmos como uma
peça do capitalismo. A educação foi e é usada para isso.
Nos
primeiros tempos da colonização foram colocados os povos
diferentes, de culturas e línguas diferentes. Cada povo tinha sua
educação originária de caráter natural. Essa educação era um
sistema adaptativo; adaptado à Natureza. Os indígenas viviam sempre
em harmonia com a Natureza; em sintonia com a Mãe Terra, até os
colonizadores instalarem um novo sistema. Tiraram os caciques e
colocaram os capitães-mor; tiraram os Pajés e botaram os padres.
Fizeram o plano para a retirada dos conhecimentos dos povos e
implantar uma nova mentalidade: a da produção capitalista.
Primeiro, destruíram a mata atlântica para vender a tinta vermelha
na Europa; depois, colocaram a cana de açúcar para produzir açúcar
para Europa. Substituíram a mata por cana e botaram índios como
escravos. A essa fase do Brasil eu chamo de Memória da Rapadura; que
veio logo depois da Memória das miçangas e antes da memória das
pedras brilhantes.
Contato:
nhenety.indiosonline@gmail.com